Minhas Senhoras

Meus Senhores

A vossa presença, que agradecemos, é demonstrativa de que o assunto que aqui vamos falar não vos é alheio, estamos certo de que desejam partilhar connosco os vossos saberes, as vossas ideias e também os vossos ensinamentos que seguramente nos vão ajudar a, de alguma forma, mudar o paradigma da reintegração familiar, social e profissional das pessoas que no trabalho e enquanto trabalhavam, sofreram, sem culpa, um acidente de que resultou uma deficiência ou uma incapacidade.

A Associação Nacional dos Sinistrados no Trabalho é uma IPSS, fundada à 40 anos, tem mais de 17.000 associados, todos eles vítimas de acidente ou doença profissional.

Nos últimos 5 anos,  prestamos apoio informativo, jurídico, social, psicológico e de avaliação do dano a 14.917 pessoas vítimas de acidente ou doença em contexto laboral.

São muito diversas e complexas as preocupações que nos tem sido colocadas pelas pessoas que nos procuram, e difíceis as respostas que temos que encontrar para as necessidades desta  população, dada a situação de grande fragilidade económica, social e emocional em que se encontram.

Nos contactos que mantemos diariamente com os nossos associados, sempre nos preocupou o facto de muitos deles nos transmitirem fortes preocupações com os obstáculos que encontravam no seu regresso ao trabalho, (depois de clinicamente curados na opinião da seguradora) que nos confidenciavam, uns de forma revoltada, outros com algum constrangimento ou vergonha, que a entidade patronal lhes dificultava ou mesmo recusava a reintegração na empresa por os considerarem incapazes, ou, nos casos em que o retorno ao trabalho se efectuava, por insistência do trabalhador, lhes era, algumas vezes de forma acintosa, distribuída tarefa para a qual não estavam habilitados, difícil de executar, que lhe provocava dores físicas, e sofrimento psicológico, ou, simplesmente lhe diziam: "entretenha-se aí com qualquer coisa, depois logo se vê o que havemos de fazer consigo".

De forma jocosa ouviam indireta referência à sua deficiência ou incapacidade,  insistentes convites à rescisão do contrato de trabalho, -sugerindo a reforma por invalidez- e outras formas ofensivas da sua dignidade enquanto pessoa, era, segundo confessavam, um martírio que apenas aguentavam, por extrema necessidade que tinham do salário para subsistência do agregado familiar.

Alguns dos associados nestas circunstâncias (constatamos isso mais nas mulheres) nos confessavam também, que no final do dia de trabalho e aos fins de semana, se isolavam, sem vontade de falar com o conjuge, os filhos ou os amigos.

Não era difícil perceber o sofrimento, a angustia dessas pessoas, o quanto lhes era difícil suportar, diariamente, o preconceito, e o estigma da deficiência ou da incapacidade. Recorriam por vezes a instituições publicas, e não encontravam resposta às suas interrogações e inquietações.

Tudo isto nos levou pensar na necessidade de melhor conhecermos a realidade e as dificuldades que o trabalhador sinistrado encontrava no seu regresso ao trabalho depois do acidente. Foi o que fizemos no início deste ano, candidatando-nos ao projeto que aqui damos conta de alguns resultados apurados, ao Instituto Nacional para a Reabilitação que o aprovou em Maio. Ao projeto, orçado em 60.000 euros foi atribuido um financiamento de 19.000,  manifestamente insuficiente, para um trabalho de investigação nunca realizado no nosso país, e creio mesmo  na Europa.

Ao tomarmos conhecimento da sua tardia aprovação e de tão reduzido financiamento, pensamos em desistir, mas, porque sabemos bem onde nos dói, e porque somos resilientes não o fizemos, mesmo quando quase não tínhamos dinheiro para pagar o salário aos nossos trabalhadores. Não desistimos, porque recebemos também o incentivo, o estimulo, a força que nos foi transmitida pelo Bruno, pela Vanessa, pela  Cláudia e por toda a equipa de investigadores que, reconhecendo a importância do projeto, a dignidade e respeitabilidade da Associação, desde logo nos retiraram a inquietação que advinha das dificuldades financeiras afirmando, inequivocamente, que a equipa de investigação nada cobraria pelo seu trabalho, com a excepção da parca contribuição  devida às duas investigadoras que, diariamente, nas nossas instalações,  trabalham no projeto. Veio-me agora à memoria, a recente polémica dos vencimentos dos gestores de alguma instituições públicas.

Sublinho, este é um projeto necessário ao País, este é um projeto que tem como objetivo conhecer uma realidade pouco conhecida, este é um projeto que procura contribuir (talvez utópica e ingenuamente) para a sociedade inclusiva  onde todos possam ter:  o direito à felicidade. 

A sociedade civil que tantas vezes tem sido convocada a contribuir para uma sociedade mais justa e inclusiva, que não diferencie, negativamente, as pessoas pela sua imagem corporal, apresenta aquí a sua contribuição: oxalá o governo e a sociedade não a ignore como tantas vezes tem feito. A propósito: lamento e sinceramente não entendo a ausência- depois de atempadamente convidados-  de representantes dos Ministérios, que tem responsabilidades politicas com o que aqui hoje estamos a tratar, que tem tudo a ver com direitos, liberdades e garantias das pessoas e famílias mais fragilizadas, mais desprotegidas, mais abandonadas.

Quem tem, hoje, o poder de legislar ou influenciar as políticas sociais, não pode alegar desconhecimento de uma realidade que alguns tentam esconder ou ignorar, apenas porque de um lado está uma industria economicamente poderosa e politicamente influente -as seguradoras- e do outro, pessoas com deficiencia ou incapacidade, social e politicamente invisíveis.

Se é importante que nos lembremos de não ultrapassar o deficet imposto, se é importante que nos lembremos de pagar os usurários juros da dívida que nos obrigaram a contrair, muito mais importante é não esquecermos as pessoas, que são a razão de ser numa sociedade organizada.

Agradeço, sinceramente, e por ordem do programa: ao Dr. Bruno Monteiro; ao Prof. José Madureira Pinto; à Dra. Vanessa; à Profª Marianne Lacomblez; à Profª Liliana Cunha; à Profª Marta Santos;  à Dra. Cláudia, à Mariana, a toda a equipa de investigadores, mulheres e homens de alma grande e coração generoso.

Agradeço também ao Instituto de Sociologia, à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, ambas da Universidade do Porto, à Assembleia da República por nos ceder este espaço, e  um especial agradecimento aos trabalhadores da nossa Associação, que, mesmo com salários em atraso trabalharam com dedicação e entusiasmo neste projeto.

Muito obrigado a todos

Luis Machado

09 de novembro de 2016.